É inevitável que, ao longo da vida, passemos por mudanças.
Mudanças na maneira de pensar, agir, se alimentar, mudança na forma de ver o mundo ou mesmo interagir com a sociedade.
E cada um sabe o que o fez mudar. É de cada um, uma experiência única para cada ser.
No meu caso, minha maior mudança acredito ter sido a minha fé.
Durante a vida, passei por todas as fases que tive direito: a das descobertas, a do saber infinito, (aquela fase da infância que a gente tem CERTEZA que sabe de tudo e que todos só falam bobagem), a fase da rebeldia, a fase de querer fugir de casa, de odiar os pais, a fase de desacreditar em Deus, a fase da alienação e pseudo superioridade intelectual (essa eu perdi assim que entendi o papel da esquerda no mundo - nota-se essa pseudo intelectualidade e sabedoria nos esquerdóides de hoje).
Fase de brincar na rua (yess, eu tive isso), fase de sentar na calçada, fase de sair e chegar de madrugada, fase de dormir na casa dos outros depois da balada, fase de ver o sol nascer e comer pastel na feira antes de ir pra casa dormir.
Fase de amar sem ser correspondida, fase de fossa, fase de ouvir musica triste, fase de andar na chuva, fase de "roubar" cone e bandeira, fase de ir em rancho, acampar, fase de namorar, ter alguém, ter filha...
Definitivamente eu tive todas as fases de um adulto normal. Talvez tenha pulado uma aqui, outra ali, mas no geral deu tudo certo.
Cresci uma adulta funcional (ou quase).
E aqui eu abro um parênteses para explicar uma das minhas fases, a religiosa. Minha avó sempre foi o esteio espiritual na família, nossa "ponte com Deus". Vovó rezava, clamava aos santos, fazia as novenas, acendia velas, ia às missas, colocava café para São Benedito, e todos sabíamos que estávamos amparados por sua fé, então não precisávamos ser fervorosos, pois tínhamos ela ali, por nós. Paralelamente a isso, eu, apesar dos esforços dela, nunca fiz primeira comunhão, fui apenas batizada na igreja Católica. Obviamente vovó jamais desistiria da missão de encaminhar a neta mais velha no mundo religioso e quando ela morou numa casa do lado da favela Buraco Quente, em SP, descobriu uma igrejinha lá no meio, e o padre ia crismar algumas pessoas mesmo que elas não tivessem feito catequese, e lá fui eu e Paola com ela e as madrinhas à tiracolo - Romilda a minha, Bebel da Paola; O padre falou algumas palavras, as madrinhas colocaram as mãos nos nossos ombros e assim foi a minha crisma.
Minha mãe, mesmo sempre tendo sido católica apostólica romana, nunca se preocupou com essa parte da minha educação e papai - que foi até coroinha - virou comunista e desdenhava da igreja - só voltando as falar em Deus quando, em seus momentos finais e percebendo que a vida estava se esvaindo, disse à minha mãe que esperava que Deus o levasse.
Tendo isso em mente, entenda que eu aprendi o pai nosso e a Ave Maria por osmose, meu sinal da cruz eu tenho CERTEZA que eu faço errado e o credo eu confundo as estrofes. Sou uma católica autodidata.
Fecha o parênteses.
Uma experiência que me mudou muito foi o nascimento da minha filha e a consequente doença da minha mãe.
O momento da nossa maior alegria virou uma das maiores dores. Momentos que eu esperava que ela vivesse comigo, viraram o tormento de ver que, mais uma vez, algo na minha vida veio tarde demais (qualquer dia eu escrevo sobre isso).
Então lá estava eu com uma criança recém nascida, que eu ainda estava criando afinidade (sim, a gente cria afinidade com a cria, ou eu pelo menos precisei criar, não foi amor instantâneo não) e uma mãe em coma dentro de um hospital.
Eu querendo que tudo aquilo fosse um pesadelo.
Eu querendo que ela acordasse na marra, afinal aquela situação não foi o que combinamos.
Eu com raiva, em negação, triste, deprimida. Me sentindo órfã, com minha mãe ainda viva.
Eu sem saber cuidar de uma criança, pois claro que eu não brincava de boneca, nunca gostei nem de bonecas e nem de crianças. Não sabia trocar uma fralda (a primeira fralda que eu troquei, coloquei jornal embaixo da Carol em vez de toalha).
E, nos 4 anos seguintes, eu tendo fé.
Fé que ela ia melhorar, fé que ela me ouvia, fé que ela ainda estava ali. Eu lia pra ela, colocava televisão, novelas, músicas. Sentava numa cadeira ao lado e sentia ela apertar minha mão, via ela balançando o pé quando tocava uma música. Quando a Isabel, ex chefe dela, ligou, eu contei e disse que ela havia mandado um abraço, perguntei "você lembra da Isabel?" e ela balançou a cabeça, de leve, que sim.
Quando a Tia Aracy morreu, disse que estávamos indo ao enterro, em Catanduva, a Rô que ficou com ela disse que ela passou o dia de cara triste e fechada.
Quando a Michele, fisioterapeuta dela, viajou e deixou uma substituta, ela ficou brava quando a Mi voltou.
O sorriso que ela tentava abrir quando via o Fabio ou a Carol.
Como não ter fé que ela ia melhorar?
Fé que eu ia chegar em casa e ouvir sua voz me chamando (ignorando completamente o fato que ela era traqueostomizada).
"Ajoelha e pede, Deus ouve".
E eu ajoelhava e pedia. Pedia com fé.
Mas o tempo é implacável e minha fé me fez entender que ela (e consequentemente eu) estávamos passando por uma prova. E só me restava ajuda-la a passar por isso, e aprender.
Lembrei que a alguns anos, um guia espiritual disse pra mim "sua mãe já cumpriu a missão dela na Terra, ela só tem que cumprir mais uma coisa e aí ela estará pronta pra ir". Essa "coisa" havia chegado e e ela precisava de ajuda.
E então eu continuei ajoelhando e pedindo, mas dessa vez por mim. Para ter paciência, humildade, conseguir pagar as contas, enfim... Por ela, eu pedia que Deus fizesse o melhor.
Quantas vezes me falaram pra mandar ela pra uma casa de repouso... Mas eu sabia que eu não poderia nunca, não por ela, mas por mim. Eu não conseguiria dormir de remorso.
Tive depressão, voltei a tomar remédio, dormia pouco. Mas agradecia cada momento daquela provação, cada minuto a mais que Deus me dava ao lado dela, dessa vez em papéis invertidos, eu cuidando dela.
Até que eu percebi que "a hora" se aproximava, ela não reagia mais, só dormia. Eu cumpri seu último pedido, fazer a extrema unção. Quando ela viu a irmã dela, Tia Ruth, em seus últimos momentos, com um padre rezando sua extrema unção ela me disse: eu também quero.
E isso me veio na cabeça, chamei um padre (o mesmo que batizou a Carol) e ele orou por ela, ela estava já inconsciente, mas ele realizou seu ritual e ela, depois de algumas semanas, se foi em paz.
Passar por tudo isso não foi fácil, mas eu faria tudo de novo, cada passo, se fosse necessário.
E pensar que tudo isso não operaria uma mudança em mim, é sandice. Eu sou grata demais a Deus por ter convivido mais 4 anos com ela, tenho filmes e fotos dela com a Carol, apenas uma dela saudável e as outras dela já acamada.
Acho que estou pensando tudo isso por duas coisas que me aconteceram em setembro, sendo uma delas os 10 anos do seu falecimento. Já fui na Igreja Matriz hoje e pedi uma missa por isso.
A outra é que a Carol está fazendo catequese e as perguntas sempre surgem: os pais foram batizados? Crismados? Fizeram primeira comunhão? Tirando a primeira comunhão, e apesar de ter sido "nas coxas", eu fui crismada e fui batizada.
Porém não possuo aquela frequência tão necessária nas missas, que deveríamos ter. E não sei se eu vou mudar isso - pois a minha visão de Deus é peculiar. Eu não preciso estar dentro de uma igreja para ser ouvida. E assim é que eu sou.
Espero sinceramente melhorar...
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