sexta-feira, 1 de julho de 2005

Vamos lá. O texto de hoje é longo e chato, diz respeito apenas a mim, mas é algo que preciso colocar para fora, pois estou exorcizando alguns fantasmas.

Não sei se vocês sabem de um "trauma" que eu sofri na infância. Nem lembro se postei aqui, mesmo porque não é algo que eu goste de lembrar.

Quando eu estava na 1ª série, acho, fui convidada a participar de uma festinha de aniversário de uma coleguinha da escola. Fui, levei presente e, por não conhecer ninguém, fiquei meio de canto observando. Notei uma rodinha na qual estavam a aniversariante e outras crianças. Uma menininha, escura, vestidinho verde de babados (nunca esqueci os detalhes), chegou e presenteou a aniversariante com calcinhas embrulhadinhas em papel vermelho. Parecia ser pobre e talvez por isso a dona da festa tenha falado algo do tipo:

- Calcinha? Você me deu calcinha de presente? Que pobre, que horror, eu não quero isso, pega de volta e vai embora da minha festa...

E a menininha se foi, chorando. Relembrando isso, eu tenho que parar e enxugar lágrimas só de lembrar da expressão da menininha. Nunca esqueci isso, e nem em terapia consegui me livrar da tristeza que me invade quando lembro dessa cena.

Só que, pra mim, foi pior o que aconteceu depois. Como é comum em instituições escolares, rodinhas são formadas logo no início do ano e duram o tempo que aquelas crianças permanecem juntas. Justo na minha classe estudava a neta da proprietária da escola e eu era filha de um professor, tinha desconto, então estudava lá. Ou seja, não chegava de carrão com motorista, chegava de brasília amarela, não tinha canetas e estojos importados, não usava tênis de marca boa, só bamba. E, embora com essa cara de jeca tatu que tenho, nunca levei desaforo pra casa.

Com isso, angariei a antipatia da tal neta da diretora. Estávamos no 3º estágio, logo depois passaríamos pra 1ª série. Essa antipatia era recíproca, só que ela "comandava" todas as meninas da classe, como se fosse a líder, e elas a obedeciam cegamente. Eu me recusava a aceitar esse domínio. Sei lá se era o sangue quente, o signo de sagitário ou o gênio, o fato é que éramos EU e o resto da sala. Nem os meninos brincavam comigo, pois tinham medo de represálias por parte da Ana Paula Azevedo (nunca esqueci o nome dela também).

Ficava sozinha, quieta num canto, ás vezes ficava "girando", no meio do pátio, pois era divertido ficar tonta, hoje, olhando para trás, acho que pensavam que eu era meio autista... Mas poucos tem noção do quanto a vida de uma criança pode ficar difícil nessas circunstâncias.

Por isso me chamavam de burra, de feia, pobre, etc. Sabe aquelas ceninhas de filmes americanos, em que uma rodinha de criancinhas cerca outra, feiosa ou negra, e ficam rindo dela? Mais ou menos isso. Pegavam meu caderno e jogavam no chão (o meu era brochura, o delas com espiral), sempre faziam cara de enfado quando a professora as obrigava a me aceitar num grupo, eu sempre era a última a ser escolhida quando tinha jogo, teatro ou quadrilha de São João... Professora via isso? Nunca soube. Queria garantir o emprego, porque se indispor com a queridinha da escola, para defender a filha de um reles professor de colegial?

Num acampamento que fui, ficava colada nos adultos. Tinham que me obrigar a sair de perto deles, "vai brincar, menina, não é normal ficar conosco o tempo todo", mas como explicar, se elas não percebiam? Quando eu levantava a mão pra tirar uma dúvida, riam de mim, e acabei desenvolvendo uma forte timidez, juntamente com sérios problemas de notas, por não tirar dúvidas das matérias.
Comecei a ficar alheia às lições e aulas, viajava, fazia desenhos. Ficava em estado alfa tão grande que quando me chamavam, levava um susto e ficava vermelha. Mais risadas. Virei um rato na sala, fui mandada para uma psicóloga infantil por "não fazer amigos". Isso tudo, em 5 anos, pois passei com eles do 3º estágio (seja lá o que isso fosse), até a 4ª série, quando minhas notas, enfim baixas, me tiraram da sala A e me levaram pra 5ª B.

Outro fato foi que a mesma aniversariante do "outro causo" acima, que era minha melhor amiga, "virou a casaca" e passou a me perseguir também. Um dia, numa das vezes em que me cercaram e jogaram meu caderno no chão, tive a ousadia de dizer, em uma voz tão baixa e engasgada de choro que precisou ser repetido duas vezes antes de elas entenderem : "Camila, ano passado você era minha amiga!" ao que ela respondeu: "é, mas não sou mais...".

E, pra piorar, um dia vi uma linda borracha caída no chão, peguei e guardei. Posso passar anos me enganando e dizendo a mim mesma que eu só estava guardando pra devolver depois, mas estaria mentindo, eu ia mesmo sumir com a borracha e ficar com ela pra mim, pois nunca tinha visto uma borracha tão desenhada e tão linda, a minha era daquelas verdes. Descobriram e, agora, além de tudo, eu era ladra.
É, confesso, eu era cleptomaníaca no que se referia a brinquedos e enforcadores caninos.
E guindava amigos. ;)

Bom... Esse é o motivo pelo qual eu não suporto humilhação... É, porque eu cresci e me revoltei.

Passa o tempo. Minha rua, uma festa na casa dos Reston. Eu, não lembro o motivo, não fui. No dia seguinte, perguntei para alguém como tinha sido a festa.

- Cara, a Loredana tomou um fora violento, ela chegou num cara e disse que ficou a fim dele, se ele não queria ficar com ela... O cara olhou pra ela e desatou a rir, que não parava mais, ela saiu chorando da festa...

Não sei o que houve comigo, mas aquele fato me chocou tanto que... mudei. Tenho a nítida certeza que, daquele dia em diante, nunca mais fui a mesma. Já era tímida e retraída, já tinha traumas de ser humilhada em público, imaginei a cena acontecendo comigo e algo aqui dentro endureceu de tal forma que não sei como quebrar.

Some-se isso ao fato de que fui criada pela minha avó. Essa minha avó, maravilhosa, que eu amo, transmitiu-me conceitos como honestidade, hombridade, lealdade, amor ao próximo, caridade... Bem, ela tentou, e com certeza algumas coisas eu assimilei. Assim como assimilei paranóias comuns, como medo de mar ("não vai longe, filha, tem tubarão") e um sentido de castidade muito grande. Católica fervorosa, sempre disse que "mulher que se preza tem que se dar ao respeito, não pode ser muito fácil, homem não gosta de mulher fácil"...

A gente cresce e reaprende alguns conceitos, mas quando se é criado numa crença, é difícil sair dela... E eu, essa louca varrida que vos escreve, foi criada assim... Criada pra ser difícil. Levei tanto ao pé da letra que nunca tive namoricos de adolescência.
Me fazem falta hoje, quem teve não dá valor, mas fazem, muita...

Chegamos onde eu queria, meus traumas.
Mas isso... Eu conto no próximo post... :)

Estou ouvindo The Corrs - Only When I Sleep.

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