domingo, 30 de julho de 2006

METADE
Ferreira Gullar - Oswaldo Montenegro

E que a força do medo que tenho, não me impeça de viver o que anseio.
Que a morte de tudo em que acredito, não me tape os ouvidos e nem a boca.
Porque metade de mim é o que eu grito, mas a outra é silêncio.
Que a música que eu ouço ao longe seja linda, ainda que de tristeza.
Que o homem que eu amo seja para sempre amado, mesmo que distante.
Porque metade de mim é partida, e a outra é saudade.
Que as palavras que eu falo, não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor.
Apenas respeitadas, como a única coisa que resta a uma mulher inundada de sentimento.
Porque metade de mim é o que ouço, mas a outra metade é o que calo.
Que essa minha vontade de ir embora, se transforme na calma e na paz que eu mereço.
Que essa tensão que me corre por dentro, seja um dia recompensada.
Porque metade de mim é o que penso, e a outra metade é um vulcão.
Que o medo da solidão se afaste.
Que o convívio comigo mesma, se torne ao menos suportável.
Que o espelho reflita em meu rosto, um doce sorriso que me lembro ter dado na infância.
Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra eu não sei.
Que seja preciso mais do que uma simples alegria, para me aquietar o espírito.
E que o teu silêncio me fale cada vez mais.
Porque metade de mim é abrigo, mas a outra metade é cansaço.
Que a arte nos aponte uma resposta, mesmo que ela não saiba.
E que ninguém a tente complicar, porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer.
Porque metade de mim é platéia, e a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada.
Porque metade de mim é amor, e a outra metade... também.

Quando a gente acha que já se acostumou à dor... Ela nos surpreende...

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