segunda-feira, 3 de abril de 2006


MEU GAROTO

Às vezes não são necessárias palavras, apenas um olhar. Ao meu comando, meu dobermann Jack sentou-se, obediente, no consultório do veterinário. Com 4 anos e no auge, com 42 quilos de músculos fortes, era ao mesmo tempo admirável e intimidador. Ele se sentou entre o veterinário e eu, abanando o rabo. Quando eu disse "pata", esticou aquela patona para o veterinário, que colocou um torniquete. O remédio dentro da seringa foi injetado na veia de Jack. Dois segundos se passaram, e foi nesse espaço de tempo extraordinariamente curto que ele me lançou aquele olhar que eu nunca tinha visto antes. Não pude me virar. Então, toda aquela massa ficou sem vida, ele se foi.

Não houve palavras. Nenhuma afirmação que eu pudesse levar para casa e escrever em um diário. Apenas aquele olhar.

Naquela manhã, Jack havia pulado sobre a cama (algo que não tinha permissão para fazer) e atacado Tracy, minha mulher. Não deu nenhum sinal. Mesmo sendo um proprietário experiente de dobermanns, fiquei espantado com a rapidez com que mordeu Tracy três vezes. Corri com ela, abalada e ensanguentada, para o hospital e mais tarde, naquele mesmo dia, Jack e eu acabamos no consultório do veterinário.

A maioria dos donos de animais aceita o fato de que um dia poderá ser necessário colocá-los para dormir, mas mantemos essa idéia a certa distância - uma decisão insondável a ser tomada apenas em situações extremas. O ataque de Jack a minha esposa foi uma dessas situações. Tracy e eu lutamos para decidir o que fazer, mas a verdade é que, no momento em que ele a mordeu, ambos sabíamos que essa era uma conclusão inevitável.

"Não posso lhe dizer o que fazer", afirmou o veterinário durante a conversa de 20 minutos que tivemos ao telefone enquanto Tracy era atendida no pronto-socorro. "Mas quando um dobermann ultrapassa essa linha, normalmente não há volta. Sinto dizer que acho que Jack é um desses casos".

Criamos um vínculo especial com nossos animais de estimação, e Jack não era a exceção. Foi criado por mim desde filhote e eu o chamava de "meu garoto". Na época em que o comprei, tinha um carro esporte. Ele achava que passear de carro era pular no porta-malas e subir no banco traseiro abaixado, se arrastando como um soldado e deixando o traseiro no porta-malas enquanto passeávamos pela cidade. Quando decidi comprar outro carro, escolhi um Jipe, uma decisão tomada em grande parte ao imaginar Jack como passageiro. Ele merecia ser transportado em grande estilo.

Às vezes, Jack era insuportável. Em seu primeiro dia de adestramento, defecou sem a menor cerimônia entre a minha cadeira e a da minha mulher. Também mantinha visitantes longe da entrada de casa, fossem eles pedintes, amigos ou familiares, observando-os de seu posto de comando no jardim.

Mas isso fazia parte do que ele era, e fiquei arrasado com a sua perda. Na época, eu era mais jovem e ainda não tinha passado pela experiência de perder um amigo ou familiar. Para mim, aquele dia permanece congelado no tempo. Durante um ano, não conseguia contar a história de sua morte sem desabar.

No entanto, aprendi muito durante esse período. Aprendi a ser mais realista quanto ao que esperar de animais de estimação. E principalmente que eles morrem antes de nós. Percebi que, por Jack ser um macho dominante, nosso outro cachorro, Ruby, uma viralata abandonada, acabava ficando um pouco esquecida, mas na verdade nos surpreendemos ao descobrir que ela tinha uma personalidade maravilhosa. Aprendi sobre a alegria de resgatar cachorros maltratados e superei minha pretensão de ter um animal puro. E, infelizmente, percebi que eu e minha mulher estávamos cegos ao não notar a crescente agressividade de Jack (achávamos que era só mau humor quando ele rosnava para nós e dava uma mordidinha nos amigos), até que foi tarde demais.

Pouco antes de ir com ele para o veterinário, fizemos um longo passeio e demos uma de nossas voltas de carro. Jogamos frisbee, e ele caçou esquilos no parque. Eu queria que seus últimos momentos fossem normais e divertidos. Duas horas mais tarde ele estaria morto.

O que ele quis dizer com aquele olhar inesquecível que me lançou nos últimos segundos de vida? Difícil afirmar. Como a maioria dos animaisde estimação, tinha um sortimento de expressões e sons que eram claros para mim: uma latida rápida significava que ele precisava sair, empurrar a tigela pelo chão equivalia a "quero comer", patas abertas e postura abaixada era igual a "brinque comigo" e minha favorita - dar um salto de quase 2 metros e bater com as quatro patas na porta de correr de vidro - traduzia-se por "quero entrar".

Aquele último olhar foi algo totalmente diferente e, como a maioria das pessoas que foram deixadas com um vazio em sua vida, eu me pego procurando as palavras que nunca foram ditas. Queria acreditar que Jack estava dizendo "Tudo bem. Eu me diverti".

Jonathan Cooperman

Um comentário:

Anônimo disse...

Anos de Brasil em poucas linhas

 Eu queria poder narrar aqui, para deixar registrado mesmo, pois sei que futuramente os indivíduos podres que estão no poder vão reescrever ...