domingo, 17 de setembro de 2017

De mãe para mãe

Primeiramente Fora Temer mostrarei a postagem que deu início a essa reflexão:
Taís Araújo e a filha que brinca de boneca.

Não entrarei aqui em detalhes sobre desconstrução de gênero e outras teorias sobre esse assunto. O texto abaixo é para, justamente, parabenizar a atriz.

Cara e bela Taís, parabéns por enfrentar essa crise de cabeça erguida!
Então, sua filha gosta de bonecas, princesas e vestidos rodados? Uau! Que surpresa!
Mas não é nada para que você se preocupe, são as surpresas da biologia.
A minha também, e, se você me conhecesse, saberia o quão estranho isso é.

Eu cresci brincando de fazendinha Gulliver e similares. Minha mãe já não aguentava mais me dar aqueles kits de bichos de plástico. Meu sonho de consumo era uma caixa grande de playmobil safári, ou circo, ou fazenda...  Nada que NÃO tivesse bichos me interessava. Até as minhas roupas.

Minha mãe era vaidosa, gostava de maquiagens, cintos, bolsas, sapatos, chapéus, vestidos... Eu adorava bermudas, calças jeans, mochila, tênis, camiseta. Odiava sapatos, bolsas, batons. Meu único interesse nos shoppings era a loja Bayard (preferencialmente a do Shopping Ibirapuera), que na época, vendia enforcadores e guias de adestramento profissional. Isso nos anos 80.

No dia a dia, depois da escola, eu brincava com os muitos amigos na rua. Só meninos, as meninas ficavam dentro de casa, não podiam sair e brincar conosco. O que elas faziam dentro de casa? Eu nunca soube. Isso, porque eu nunca fiz amizade com elas na infância, só com os meninos. Brincávamos de pega-pega, esconde esconde, pai da rua, bolinha de gude, pipa, pião, rodávamos o bairro como exploradores, dentro de enormes terrenos baldios que hoje são condomínios. A única coisa que eu não fazia era jogar futebol, eu era muito descoordenada.

Se eu tive bonecas? Algumas. A Gui-Gui, a Emília do sítio do Pica Pau Amarelo, algumas Susies herdadas, uma coleção imensa de fofoletes e uma Barbie, quando eu já era maior.
Minha vida eram sacolas e sacolas de animais de plástico.

Na escola, minha vida foi difícil, pois eu era "peculiar". Queria brincar com os meninos, mas eles não me aceitavam, afinal no recreio o jogo principal era... Futebol. E eu era péssima.
Aí eu tentava me enturmar com as meninas, mas era ainda pior! Eu não sabia brincar de boneca, fogãozinho, comidinha; não usava saias ou brincos, nem gostava de pintar as unhas; e, por ser descoordenada, nunca consegui aprender a pular corda. Mal conseguia pular amarelinha!!

As aulas de educação física, que eram divididas por sexo, eram um pesadelo, pois eu era ruim de vôlei, de corda e, sendo ruim dessas duas atividades, provavelmente era ruim de tudo. Ok, eu era razoavelmente normal em basquete e handball, e muito boa em queimada, mas isso não importava mais.
Eu era aquela que fica sempre por último na hora dos líderes "escolherem os times".
Eu, Taís, era aquela que se veste de menino pra dançar quadrilha na festa junina.

Não uma, nem duas vezes, eu quis ser menino na minha infância. Desesperadamente. Nenhuma menina que eu brincava entendia porque eu gostava tanto de um aviãozinho de plástico ou de um caminhãozinho cheio de bois.

Contrariando todas as expectativas, eu cresci hétero, consegui fazer as pazes com o meu cabelo, coloquei brincos e comprei uns batons. Nunca aprendi a cozinhar, a cuidar de uma casa ou ninar uma criança.
Arrumei alguém, tive uma filha. Lembra quando eu disse que não aprendi a ninar uma criança? Pois é. Eu passava horas sentada no sofá com a minha filha no colo, muda, parada.

- tem que balançar a criança! - me diziam. Sério?

Se dependesse de mim, Taís, minha filha nem teria bonecas, só bichos. Mas ela tem, muitas. Adora. Adora sapatos, roupas, maquiagem. Adora brincar de cozinhar. Adora bolsas, óculos de sol, chapéus. Ama se vestir de saias rodadas, ama as vitrines do shopping. Adora Rosa, lilás e vermelho.

E, ao invés de me perguntar "onde foi que eu errei", eu entendo - e aceito - que ela é um ser humano diferente de mim. Pessoalmente, eu acho que ela "vai sofrer menos" que eu.

Carol tem tantos bichinhos de pelúcia quanto bonecas ou panelinhas.
Isso não significa que ela não goste de Wolverine, Hulk e Tartarugas Ninja, tanto quanto gosta da Princesinha Sofia e Clube das Winks.

Aqui ninguém estressa com isso. Ela é o que ela é. Tem fases. Galinha Pintadinha, Peppa Pig, Princesinha Sofia, Kung Fu Panda.
Deixe sua filha ser o que ela quiser. Isso muda.

Só não entendi o porquê de não ter bonecas em sua casa, uma vez que você tem um menino mais velho e acredita que gênero é uma construção social... Nunca deu bonecas pro garoto brincar?

Abraço

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