Esse é meu único post com título, e nem sei se vou deixa-lo. Talvez sim, porque combina com o que será relatado a seguir. Combina com o que eu estou sentindo.
Porque eu preciso colocar isso pra fora.
Porque tem mil sentimentos fervilhando aqui dentro.
Porque eu preciso expurgar essa dor, essa decepção, essa mágoa.
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Domingo, dia 17/04/2016, foi um dia bem importante na nossa história: a câmara dos deputados votou pelo impeachment da presidente Dilma Roussef.
No meio de muita bizarrice, papagaiada e erros de português, um voto tem criado uma polêmica avassaladora: do Deputado Jair Bolsonaro.
Ele votou pelo SIM e dedicou seu voto ao Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o Dr. Tibiriçá do DOI-CODI.
Ao mesmo tempo, Glauber Braga do PSOL, dedicou seu voto à Marighella e outros nomes da esquerda.
A discussão que se seguiu está interminável. Literalmente dividiu o Brasil: de um lado os defensores dos militares, do outro a esquerda brasileira.
Milhares estão pesquisando e definindo seus lados. Porque depois de mais de 40 anos, algumas pessoas da "luta armada comunista" revelaram que mentiram sobre as torturas. Algumas pessoas foram sim, torturadas, mas outras não, só disseram que foram porque "era moda".
Enfim, meu texto abaixo é pra contar um pouco sobre o meu posicionamento nessa história toda e explica o porquê de eu, hoje, ser totalmente contra a esquerda.
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Meus pais eram socialistas. Fugiram do país em 1969, arrumaram bolsas de estudo através de amigos, também socialistas, que já haviam fugido, e moraram 4 anos na Alemanha.
Não fosse isso, estariam mortos agora.
Quem ajudou os dois foi o Toledo. O "Velho". Ele era o pai da amiga da minha mãe, a Denise, casada com o Renato. Eu me lembro de, quando criança, ir de vez em quando na casa deles e brincar com os filhos deles, mas eu não gostava muito: eles quase não falavam português, só alemão.
O crime do meu pai foi - me disseram - ter um rádio amador em casa e livros de socialismo/comunismo. Ele nunca foi da "luta armada". Fazia engenharia na Poli, era um intelectual. Foi campeão de xadrez da universidade pelo menos 3 vezes, na Alemanha, onde mudou seu curso para física.
Minha mãe fez algo um pouco mais grave, ela deu "pouso" à uma moça por uns dias, e emprestou seu carro para carregarem armas. Um dia essa moça "caiu" e deu todo o serviço: disse onde e quem a havia hospedado, qual carro haviam usado, quem havia participado, etc.
Lógico, baixaram na casa da minha avó, e na ausência da minha mãe (que se encontrava a trabalho ou visita, nem lembro, no RJ) prenderam uma das minhas tias.
Ligando os pontos, na verdade, prenderam DUAS das minhas tias, mas uma delas era esposa de um político e não foi tocada.
A outra foi, sim, torturada. Queriam saber onde estava a minha mãe. Só que a minha tia não sabia, e dá-lhe pau de arara, dá-lhe cigarro aceso na pele. No final soltaram minha tia, mas ela disse o principal, que sua irmã mais nova estava namorando um comunista. Foram atrás do meu pai, mas ele não estava. Só que isso já alertou meus avós, que deram seus pulos e o avisaram. Ele foi ao encontro da minha mãe, que já estava voltando do RJ de ônibus, fez ela descer na estrada e se esconderam.
Não lembro como, levaram umas roupas pra eles, e eles foram de carona pro Sul. Fugiram por alguma cidade da fronteira, acho que Santana do Livramento, e conseguiram ir até a Argentina. De lá, esperaram. Meu avô, que trabalhava na aviação, estava tentando conseguir passagens pra eles, pra irem embora pra Europa.
Me parece que, em algum momento, eles voltaram pro Brasil pra pegar as passagens, bagagens, uma ajuda financeira e aí foram pro Chile, tirar passaporte. Não poderiam tirar passaportes em países limítrofes, então foram até o Chile, pediram na embaixada, deram a desculpa que estavam fugindo para se casar, e a única preocupação do cara que tirou os passaportes deles foi: "vocês não são irmãos, né?"
De lá foram embora. Moraram 4 anos na Alemanha.Casaram-se lá. Um dia, grávida, minha mãe sentiu saudades e quis voltar pro Brasil, mas a situação deles ainda era perigosa.
Um amigo do meu avô, com seus contatos, conseguiu anistia pros dois. Minha mãe disse que suava frio quando foi à sede do DOI-CODI assinar um termo de compromisso de se manter na linha, blá blá blá.
Eles chegaram em Setembro de 1973, eu nasci em dezembro do mesmo ano.
E assim termina a aventura deles, resumidíssima.
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Isso foi o que minha mãe me contou, e o que ela lembrava. Teve momentos tristes, engraçados, desesperadores. Isso é, também, um pouco do que eu me recordo, e posso estar enganada em alguns detalhes, mas o básico está aqui.
Na verdade, minha mãe nunca gostou de falar desse período da vida dela. Não dos 4 anos na Europa, mas da fuga em si.
Meu pai quase nunca conversou comigo sobre isso. Quando ele morreu, eu tinha 16 anos. Uma das últimas coisas que ele me disse antes de morrer foi algo parecido com "justo agora que você está ficando interessante eu vou morrer".
Esse assunto, aliás, sempre foi meio que "proibido" do lado materno da minha família. Minha mãe não tocava nele perto de nenhuma das minhas tias, principalmente das que foram presas por causa dela. Meio óbvio, acho. Uma vez minha mãe comentou que viu meu tio, o tal político, olhando pra ela pensativo, como se recordasse tudo que ele passou na época, por causa dela. Porque afinal, ele era um deputado de uma ditadura militar, ia ser indicado ao senado, e tinha uma cunhada comunista e subversiva? Pensa!
Mas aqui eu explico: das filhas de Dona Amélia, minha mãe era a caçula. A esposa desse político, a mais velha. Quando minha tia se casou, minha mãe tinha 4 anos e ficou com febre de tanta saudade dela, pois era ela quem criava minha mãe, minha avó já tinha mais de 40 quando ela nasceu. Então quem praticamente criou minha mãe foi essa minha tia e seu marido, o tal político. Até quis adota-la, mas ela não aceitou. Minha mãe foi praticamente criada como filha pelo casal, junto com os outros 2 filhos deles, que nasceram depois.
Por várias vezes eu ouvi conversas atravessadas dessa minha tia, falando que a culpa de tudo tinha sido do meu pai, aquele comunista; que minha mãe poderia ter feito um ótimo casamento, maass...; que ela deu jóias pra minha mãe levar e vender que sustentaram ambos na Europa praticamente os 4 anos em que eles viveram lá; que seu filho tinha ficado gago porque viu sua mãe sendo levada presa... É, minha tia era pródiga nesse assunto com os outros, e não se importava que eu ouvisse.
E a tudo isso eu ouvia, pra depois perguntar à minha mãe se era verdade; cada declaração vinha como se estivesse sendo extraída à fórceps, pra lembrar uma expressão que ela usava muito.
Minha mãe ia confirmando ou não as histórias que eu pescava: a culpa tinha sido do meu pai? Em termos, sim e não. Como assim? "É que eu conheci todas aquelas pessoas através dele, ele que me apresentou, mas ele mesmo nunca teve envolvimento com nada".
Por que a tia fala que era pra você ter feito um ótimo casamento? "Porque ela me apresentou a todos os fazendeiros de Catanduva e eu acabei casando com o seu pai".
Essas jóias que ela te deu e disse que sustentaram vocês na Europa...? "... nunca tive coragem de contar pra ela, Maetê, mas roubaram da gente na primeira esquina, no Chile...".
O Zé ficou mesmo gago por causa disso que ela falou? É, ficou.
Tia Cleide foi MESMO torturada?? Foi. Mas a gente não fala sobre isso.
Na família do meu pai também não se tocava muito no assunto, a não ser pra falar das viagens que meus avós fizeram pra visitá-los. Muitas fotos desse período tem dedicatórias longas atrás. Muitas se perderam com o tempo. Eram slides. Na época era comum revelar tudo em slide. Perdi muitas. Até outro dia eu lamentava a perda desses registros, mas hoje não lamento mais. Minha mãe e meu pai, ao morrerem, viraram pedaços de papel num arquivo e fotos em uma prateleira. Quando eu morrer, tudo isso será esquecido. Ninguém vai querer relembrar histórias de pessoas que não conheceu...
Minha mãe sabia ver cada foto e me falar onde eram os locais, a data, quem estava nelas. Paris, Espanha, Iserlohn, Düsseldorf, Duisburg, Chile. Aqui é a praça tal em tal lugar. Aqui é Paris, aahhh Paris, que saudade. Aqui é uma praia na Espanha. Uma feira em Marrocos. O metrô de tal lugar.
Eu cresci pedindo pra minha mãe repetir os lugares. Cresci ouvindo essas histórias. São parte da minha vida, são parte do que eu sou.
Meus avós paternos também fugiam do assunto. Mas, veja, era engraçado. Meu pai era comunista, mas meu avô defendia a Ditadura Militar com unhas e dentes.
E quando ele, às vezes, falava que "não foi como seus pais estão dizendo", meu pai brigava com meu vô e chamava ele de "reacionário". Eram discussões terríveis, embora eles não brigassem de fato. Família italiana, muitos gritos e muita emoção. Muita gesticulação, mas nada que deixe mágoa.
E meu vô, depois, repetia, com aquele sotaque carioca que ele nunca perdeu: "bobagem, minha filha, bobagem, essa budega não foi assim não".
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Portanto, eu fui CRIADA por dois socialistas de carteirinha, engajados até o pescoço na "luta pela igualdade".
Sabia de cor nomes como Carlos Lamarca, Marighella, "O Velho", Zé Dirceu, José Genoíno e Gabeira de um jeito que nunca decorei nomes da história do Brasil-Colônia.
Sabia que a ditadura militar era repressora e havia mandado várias pessoas pra prisão e pra morte.
Cantava "para não dizer que não falei das flores" inteirinha, sem errar uma estrofe. Idolatrava Chico Buarque.
Fui com meu pai conhecer a sede do PT em SP e pegar panfletos pra distribuir nas ruas.
Íamos em várias passeatas e showmícios. Numa das minhas lembranças mais antigas, em que eu talvez tivesse 8 anos, eu lembro de uma longa caminhada no meio de uma multidão, um discurso de várias pessoas e depois um show. Talvez fosse uma passeata pelas diretas já. Vieram muitas depois dessa.
Víamos Lula e outros falando, falando... Meus pais aplaudiam. Daí vinham os shows de cantores, os mesmo de hoje, mas principalmente Chico. Torcíamos para a URSS nas Olimpíadas.
"Vocês conheceram o lado comunista quando moraram na Europa? Não, era muito caro ir pra lá..."
Quando eu tinha 15 anos, Luiza Erundina venceu as eleições para a prefeitura de São Paulo. Meu pai disse, então, estar feliz pelo resultado, mas com medo. "Meu medo é que esse seja o fim do PT. São bons como oposição, mas estando no poder, vão perceber que o poder corrompe". Não entendi. Como a vitória poderia ser o começo do fim? Tenho inclusive, na fita cassete da minha festa de 15 anos, ele dizendo "não é uma festa de aniversário da Maetê, é para comemorar a vitória da Erundina".
Meu pai morreu em 1989. Não viu a queda do Muro de Berlin. Chegou a comprar o livro do Gorbachev, "Perestroika", mas acho que pensou que era ficção. Não viu a dissolução da URSS.
Meu pai também não viveu pra ver a eleição de Collor, nem seu impeachment em 1992. Depois de tanta luta, tantas esperanças com os protestos por Diretas já, tantas passeatas, ele não conseguiu participar do processo democrático das eleições finalmente livres. Como disse minha mãe, quando o Collor venceu o Lula e, depois, quando sofreu o impeachment: "se seu pai já não estivesse morto, teria morrido agora".
Para os meus pais não houve nenhuma "aposentadoria por anistia política". Meu pai, tão ferrenho defensor do socialismo, tentou ser seu próprio patrão e, no final, pediu arrego: conseguiu um emprego público, passou a ganhar bem e, finalmente, percebeu o que era sustentar a casa, algo que só a minha mãe tinha feito até então, com seu também emprego público. Porque meu pai, socialista, também era um grande consumista. Gostava de bons vinhos, boa comida, bons programas. Gostava de sair, de se divertir, de gastar. Pouco antes de morrer ele viajou aos EUA, ficou lá uns dias, conheceu até a Disney. Ele nos disse, então: "que país incrível, tudo que você imaginar lá eles tem pra vender!! E barato! E o Mickey!! Você SABE que é um boneco, mas vendo o desfile, acaba dando tchau pra ele!! E os shows!! Eu fui em um... Cool and the gang, você conhece? Incrível!". Minha mãe me disse que antes de ele morrer, ele falou à ela que lamentava nunca poder me levar pra conhecer os EUA. Enfim... Herdei as duas grandes bandeiras do PT feitas com cabos de vassoura, pesadas, vermelhas com uma estrela no meio. Aquelas bandeiras... Eu adorava aquelas bandeiras. Meu pai fez as duas, uma pra cada um. Eram pesadas, mas e daí? A gente carregava onde fosse, passeatas, boca de urna. Quando me mudei pra Birigui, as bandeiras vieram junto. Mas aqui já não eram mais necessárias, não íamos mais em passeatas, então ficavam enroladas e guardadas. Ás vezes eu abria pra limpar e ver se estavam mofadas ou se tinham traça. Collor foi eleito em 1990 e sofreu impeachment dois anos depois. Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições de 1995. Choramos, lamentamos. "O povo não sabe votar". FHC ficou 8 anos no poder e seu governo teve muitos escândalos de corrupção. Lula, finalmente foi eleito e tomou posse em 2003. Se tivéssemos condições, teríamos ido à comemoração da posse em Brasília. Um sentimento de alegria. Finalmente, um presidente do povo, para o povo. Choramos de felicidade. E aí começaram as decepções. O desapontamento. Começamos a ver que Lula, na verdade, não ia fazer nada do que havia prometido em anos e anos de campanha. Nunca fez nada para combater a corrupção, pelo contrário. Nunca realmente fez uma reforma agrária. Nunca investiu em mudanças na educação. Fez reformas inúteis ou que prejudicaram o trabalhador e o aposentado. Aliou-se aos partidos mais sujos e sórdidos do país, aos quais ele fazia oposição. Nunca se preocupou em desfazer algumas das besteiras que FHC fez em seu governo. Estoura o escândalo do Mensalão. Gabeira abandona o PT. CLARO que sabíamos que esse esquema de propinas por compra de votos vinha de muito antes, mas acreditávamos do fundo do nosso coração, que Lula ia acabar com isso. Ledo engano. Dirceu era o chefe do esquema, Genoíno estava envolvido. No segundo mandato já não esperávamos mais nada dele, mas ainda assim, demos um "voto de confiança". Aí a coisa piorou. Lula "pagou a dívida externa" mas duplicou a interna. Minha mãe, cansada de guerra, assistindo sua televisão, falava sozinha: "Lula, Lula, você não podia ter feito isso com a gente. Zé Dirceu... que decepção...". Perdeu o gosto pela política. Votava em qualquer um que eu pedisse. Só se interessava por novelas, assistia todas, em todos os canais que conseguisse. A decepção foi tanta que não votamos na Dilma. Votamos no Plínio de Arruda Sampaio - ainda de esquerda.
"Queria que seu pai estivesse vivo pra poder ver no que se transformou o PT" - dizia ela, às vezes triste, às vezes com ar de revolta. "Filhos da puta", remendava.
Em maio de 2011 minha mãe cai definitivamente de cama e nunca mais participa da vida pública. Mas em sua doença, tivemos que recorrer ao SUS, e aí começou o meu aprendizado. De filha única protegida e quase sem responsabilidades, passei à mãe de duas: uma criança e uma enferma, acamada. Minha mãe não quis mais pagar convênio depois que se aposentou. E, meu amigo, se você precisa e depende do SUS o tanto que eu precisei e dependi, começa a se questionar se quem está no poder realmente sabe o que é serviço social para o povo. Começa a se perguntar se quem é eleito, alguma vez pensa no povo que o elege. Você começa a ver que, agora no governo Dilma, o que existe é uma preocupação em apagar o passado e reescreve-lo, sob a ótica da esquerda. É uma época de revanchismo e populismo, esquecendo o todo da população, governando só para uma parte dela.
Livros de história foram reescritos. anistias, indenizações e pensões milionárias foram concedidas. A "Comissão da Verdade" investigou as "mortes do período militar", mas talvez por esquecimento, não pesquisaram as mortes causadas pelos guerrilheiros que tentaram, durante anos, implantar uma ditadura comunista no Brasil. Provas testemunhais não servem para delações de corrupção, mas servem para delações de tortura da época dos militares. No Norte do Brasil não temos estradas (vide a BR-163 no Pará), saúde, educação, infra estrutura ou segurança, mas construímos um Porto em Cuba. Lula emprestou dinheiro para ditaduras e organizações terroristas. Dilma endossou os empréstimos e continuou enviando dinheiro para fora. Dinheiro que poderia e deveria ser gasto aqui dentro. Se meus pais, por um lado, me criaram sob a ótima socialista, também me ensinaram a pensar e questionar, sempre. Nunca aceitar nada calada. Comecei a pesquisar. Ler loucamente. A história sob a ótica da esquerda eu já conhecia, queria ver agora sob a ótica da direita, dos militares. E aí, reinventei a roda: eu sempre soube que a verdade é uma faceta de 3 lados. Mas, quem sabe, meu velho e reacionário avô não estivesse tão errado assim. Eu fui atrás da verdade. Da MINHA verdade. Não da verdade dos militares, ou dos terroristas brasileiros. Fui atrás do que realmente aconteceu. E o que eu descobri, me decepcionou um pouco mais. Meus heróis não morreram de overdose, antes tivessem. Eles tomaram o poder e se corromperam. Porque o poder corrompe. Vinte e tantos anos depois, a frase do meu pai prova-se verdadeira. Mas ele já não está mais aqui pra ver. Nenhum deles está. Seu legado se perderá no tempo, como lágrimas na Chuva. As bandeiras? Queimei na pira da desilusão.
Tio Orlando e Tia Missina |
A outra foi, sim, torturada. Queriam saber onde estava a minha mãe. Só que a minha tia não sabia, e dá-lhe pau de arara, dá-lhe cigarro aceso na pele. No final soltaram minha tia, mas ela disse o principal, que sua irmã mais nova estava namorando um comunista. Foram atrás do meu pai, mas ele não estava. Só que isso já alertou meus avós, que deram seus pulos e o avisaram. Ele foi ao encontro da minha mãe, que já estava voltando do RJ de ônibus, fez ela descer na estrada e se esconderam.
Tia Cleide |
3x4 na Alemanha |
Vó Amélia e minha mãe |
Tia Missina, Tia Ruth, minha mãe e Weida |
Meu pai e meu avô |
Quando eu tinha 15 anos, Luiza Erundina venceu as eleições para a prefeitura de São Paulo. Meu pai disse, então, estar feliz pelo resultado, mas com medo. "Meu medo é que esse seja o fim do PT. São bons como oposição, mas estando no poder, vão perceber que o poder corrompe". Não entendi. Como a vitória poderia ser o começo do fim? Tenho inclusive, na fita cassete da minha festa de 15 anos, ele dizendo "não é uma festa de aniversário da Maetê, é para comemorar a vitória da Erundina".
Meu pai morreu em 1989. Não viu a queda do Muro de Berlin. Chegou a comprar o livro do Gorbachev, "Perestroika", mas acho que pensou que era ficção. Não viu a dissolução da URSS.
Meu pai também não viveu pra ver a eleição de Collor, nem seu impeachment em 1992. Depois de tanta luta, tantas esperanças com os protestos por Diretas já, tantas passeatas, ele não conseguiu participar do processo democrático das eleições finalmente livres. Como disse minha mãe, quando o Collor venceu o Lula e, depois, quando sofreu o impeachment: "se seu pai já não estivesse morto, teria morrido agora".
Para os meus pais não houve nenhuma "aposentadoria por anistia política". Meu pai, tão ferrenho defensor do socialismo, tentou ser seu próprio patrão e, no final, pediu arrego: conseguiu um emprego público, passou a ganhar bem e, finalmente, percebeu o que era sustentar a casa, algo que só a minha mãe tinha feito até então, com seu também emprego público. Porque meu pai, socialista, também era um grande consumista. Gostava de bons vinhos, boa comida, bons programas. Gostava de sair, de se divertir, de gastar. Pouco antes de morrer ele viajou aos EUA, ficou lá uns dias, conheceu até a Disney. Ele nos disse, então: "que país incrível, tudo que você imaginar lá eles tem pra vender!! E barato! E o Mickey!! Você SABE que é um boneco, mas vendo o desfile, acaba dando tchau pra ele!! E os shows!! Eu fui em um... Cool and the gang, você conhece? Incrível!". Minha mãe me disse que antes de ele morrer, ele falou à ela que lamentava nunca poder me levar pra conhecer os EUA. Enfim... Herdei as duas grandes bandeiras do PT feitas com cabos de vassoura, pesadas, vermelhas com uma estrela no meio. Aquelas bandeiras... Eu adorava aquelas bandeiras. Meu pai fez as duas, uma pra cada um. Eram pesadas, mas e daí? A gente carregava onde fosse, passeatas, boca de urna. Quando me mudei pra Birigui, as bandeiras vieram junto. Mas aqui já não eram mais necessárias, não íamos mais em passeatas, então ficavam enroladas e guardadas. Ás vezes eu abria pra limpar e ver se estavam mofadas ou se tinham traça. Collor foi eleito em 1990 e sofreu impeachment dois anos depois. Fernando Henrique Cardoso venceu as eleições de 1995. Choramos, lamentamos. "O povo não sabe votar". FHC ficou 8 anos no poder e seu governo teve muitos escândalos de corrupção. Lula, finalmente foi eleito e tomou posse em 2003. Se tivéssemos condições, teríamos ido à comemoração da posse em Brasília. Um sentimento de alegria. Finalmente, um presidente do povo, para o povo. Choramos de felicidade. E aí começaram as decepções. O desapontamento. Começamos a ver que Lula, na verdade, não ia fazer nada do que havia prometido em anos e anos de campanha. Nunca fez nada para combater a corrupção, pelo contrário. Nunca realmente fez uma reforma agrária. Nunca investiu em mudanças na educação. Fez reformas inúteis ou que prejudicaram o trabalhador e o aposentado. Aliou-se aos partidos mais sujos e sórdidos do país, aos quais ele fazia oposição. Nunca se preocupou em desfazer algumas das besteiras que FHC fez em seu governo. Estoura o escândalo do Mensalão. Gabeira abandona o PT. CLARO que sabíamos que esse esquema de propinas por compra de votos vinha de muito antes, mas acreditávamos do fundo do nosso coração, que Lula ia acabar com isso. Ledo engano. Dirceu era o chefe do esquema, Genoíno estava envolvido. No segundo mandato já não esperávamos mais nada dele, mas ainda assim, demos um "voto de confiança". Aí a coisa piorou. Lula "pagou a dívida externa" mas duplicou a interna. Minha mãe, cansada de guerra, assistindo sua televisão, falava sozinha: "Lula, Lula, você não podia ter feito isso com a gente. Zé Dirceu... que decepção...". Perdeu o gosto pela política. Votava em qualquer um que eu pedisse. Só se interessava por novelas, assistia todas, em todos os canais que conseguisse. A decepção foi tanta que não votamos na Dilma. Votamos no Plínio de Arruda Sampaio - ainda de esquerda.
"Queria que seu pai estivesse vivo pra poder ver no que se transformou o PT" - dizia ela, às vezes triste, às vezes com ar de revolta. "Filhos da puta", remendava.
Em maio de 2011 minha mãe cai definitivamente de cama e nunca mais participa da vida pública. Mas em sua doença, tivemos que recorrer ao SUS, e aí começou o meu aprendizado. De filha única protegida e quase sem responsabilidades, passei à mãe de duas: uma criança e uma enferma, acamada. Minha mãe não quis mais pagar convênio depois que se aposentou. E, meu amigo, se você precisa e depende do SUS o tanto que eu precisei e dependi, começa a se questionar se quem está no poder realmente sabe o que é serviço social para o povo. Começa a se perguntar se quem é eleito, alguma vez pensa no povo que o elege. Você começa a ver que, agora no governo Dilma, o que existe é uma preocupação em apagar o passado e reescreve-lo, sob a ótica da esquerda. É uma época de revanchismo e populismo, esquecendo o todo da população, governando só para uma parte dela.
Livros de história foram reescritos. anistias, indenizações e pensões milionárias foram concedidas. A "Comissão da Verdade" investigou as "mortes do período militar", mas talvez por esquecimento, não pesquisaram as mortes causadas pelos guerrilheiros que tentaram, durante anos, implantar uma ditadura comunista no Brasil. Provas testemunhais não servem para delações de corrupção, mas servem para delações de tortura da época dos militares. No Norte do Brasil não temos estradas (vide a BR-163 no Pará), saúde, educação, infra estrutura ou segurança, mas construímos um Porto em Cuba. Lula emprestou dinheiro para ditaduras e organizações terroristas. Dilma endossou os empréstimos e continuou enviando dinheiro para fora. Dinheiro que poderia e deveria ser gasto aqui dentro. Se meus pais, por um lado, me criaram sob a ótima socialista, também me ensinaram a pensar e questionar, sempre. Nunca aceitar nada calada. Comecei a pesquisar. Ler loucamente. A história sob a ótica da esquerda eu já conhecia, queria ver agora sob a ótica da direita, dos militares. E aí, reinventei a roda: eu sempre soube que a verdade é uma faceta de 3 lados. Mas, quem sabe, meu velho e reacionário avô não estivesse tão errado assim. Eu fui atrás da verdade. Da MINHA verdade. Não da verdade dos militares, ou dos terroristas brasileiros. Fui atrás do que realmente aconteceu. E o que eu descobri, me decepcionou um pouco mais. Meus heróis não morreram de overdose, antes tivessem. Eles tomaram o poder e se corromperam. Porque o poder corrompe. Vinte e tantos anos depois, a frase do meu pai prova-se verdadeira. Mas ele já não está mais aqui pra ver. Nenhum deles está. Seu legado se perderá no tempo, como lágrimas na Chuva. As bandeiras? Queimei na pira da desilusão.
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